Sempre tive uma forma muito interessante de ver e viver a cidade onde mora; tendo nascido em cidade rica do país, mas morando em um bairro extremo, resultou este fato em uma grande capacidade de lidar com as diferenças étnicas, culturais e sociais. Sempre pude lidar com todos sem maior diferenciação, e todas as caras e lugares são por fim a cara da cidade, que se transforma a cada instante num ritmo violento, neurótico e rebelde a leis de zoneamento, planos diretores e tantas tentativas desesperadas de se ordenar aquilo que, sendo atento a tudo, classifico como "sobreposição de sobreposições".
Sempre poético, sempre musical e sonhador, por sinal muito romântico, associei na adolescência o cenário das vitrines do centro em dia nublado, aos meus devaneios, meus diversos amores platônicos, tramando deste modo um curta-metragem de mãos dadas com a namorada tão fugaz e efêmera quanto a certeza de que daria certo; tive minha situação sentimental definida aos vinte e três anos e hoje casado há dezoito anos, acabei por transmutar meus sonhos numa realidade intensa de amor, trabalho e - o que classifico como raro privilégio - muita amizade e cumplicidade, o que vem de uma "química" que só pode existir quando se constrói um relacionamento, quando se entende que, este é um caminho efetivo para a iluminação, o que é o alvo maior de todo o ser, quer ele seja consciente disso ou não, o importante é que seja uma escolha consciente. Tenho esse objetivo como o maior desta vida, e isso é inevitável, e ao mesmo tempo não tenho como fórmula, por assim dizer, como regra absoluta, pois acredito que na natureza humana não existe nada simples - tudo é diverso e complexo, mormente tendências e pontos de vista. Gosto, como já foi dito, de lidar com gente e nisso não tenho preferência, ou critério; lidar com gente é entender que todo indivíduo é luz e sombra, é não ter ninguém acima das condições normais do ser humano; tanto eu próprio como todos dão aquilo que têm, agem dentro do que pensam ser correto, crêem naquilo que lhes conforta e os faz ser melhores. Portanto, acredito nas pessoas sem me entregar cegamente a vínculos desnecessários que só servem no fim para gerar discordâncias, conflitos e decepções. É a idéia do viver e deixar viver, sem dependências, expectativas ou entregas - apenas uma saudável troca de experiências, o que no fim é a única forma de crescimento: a vida de relação. Tenho uma leitura das cidades fortemente ligada às pessoas, e sinto que a maior ou menor desordem nas cidades e nas casas - até mesmo a falta de ordem - é conseqüência diretamente proporcional ao estado de alma das pessoas, seus valores, prioridades, enfim a exteriorização de seu interior, tanto individual como coletivo. Isso, em vez de suscitar uma postura crítica, principalmente hoje em dia, causa em meu espírito profunda empatia com tudo e todos uma vez que sinto que tudo é interligado, interdependente; "Uma estrela que explode há milhões de anos-luz da terra, influi na vida de cada ser, cada coisa que aqui existe" - penso. Isto quer dizer que ou todos se ocupam de mudar suas crenças e valores, ou as coisas continuarão aí por mais tempo, e nós continuaremos a sofrer o que sofremos e a lamentar como lamentamos; nada é permanente, mas quanto tempo isso dura, depende de cada um de nós.
Nenhum comentário:
Postar um comentário